domingo, 21 de novembro de 2010

Unhas nas ardósias

Sinto-me naufragando
na vazante da tua atenção!
Comandas a maré da minha angústia,
neste rodar de vida inútil
e vazia,
neste Novembro sem sentido!

E adensa-se esta dor,
este declive,
este arranhar de unhas nas ardósias
de um tempo que se esvai,
sem ti!

Não obstante,acaricio-te
na minha exuberância triste!
Virtualmente o faço:
toco-te a pele
- memorizada no C Drive
das minhas emoções armazenadas.

Caminho, nas tardes, quentes e frias
o vento toca-me nos ouvidos
o som de búzios urbanos
anunciando invernos
do meu inferno,
na lamela do tempo,
nesta paz vegetal
a que me reduzes...

Ivone Soares

sábado, 2 de outubro de 2010

TOUTINEGRA

Toutinegra madura,
não te quero saber triste
Nem sequer culpada
de nossos pecadilhos!
Desgoma-te do passado
põe-no numa redoma
em recato
bem guardado.

Olha-me nos olhos
vislumbra um futuro,
sem pensar
nos escolhos

Ensina-me o caminho
o que seja, o que for!
Vivo agora
neste absurdo torpor,
qual ave
caída do ninho!

Será inútil que me traves
que me rejeites
ou me iludas
porque já trago na boca
este perverso sabor
da tua pele suada
em noites de Maio!

Quero-te, assim, a meu lado
desnuda, deitada
(como imagino)
em segredo!

Quero sentir teus seios agudos,
esses frutos maduros
nas minhas mãos!


Quero a doçura
experiente e antiga
de teu ventre
de encontro ao meu!

Quero a geometria
ritmada e perfeita
das tuas coxas
enclavinhadas nas minhas!

Quero que me sintas,
qual Minotauro,
cavalgando teu dorso,
madrugada adentro!

Toutinegra,
voa comigo,
leva-me contigo
para onde quiseres.
Diz-me o caminho
mostra-me a rota
dar-te-ei meu braço
pra onde?
Não importa!

Poemeto-me a ti, enquanto jovem que sou, Toutinegra madura como te quero!

Ivone Soares

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Meu plano és

Você que é uma acção do meu plano
plano feito no além
feito por bem, providencie-me amor!
Planeio somente amar-te
sorrir-te,
prometo-me à ti
nem que vadia fosse
bandida das mais temidas
minha grande culpa seria
querer-te demais...

incompleta me tornas
a cada olhar distante...

Ivone Soares

sábado, 1 de maio de 2010

Re(li)gata

Quando em lugar de feltro é de barro de Outubro
o calor interior das coxas habitadas
Quando a língua é um barco avançando no escuro
de um canal de Corinto entre pardas escarpas
Quando o cheiro do Mar se desdobra em veludo
Quando rompe na boca o mistério das algas
Quando em baixo o teu pé a triturar-me o surdo
perímetro do sexo encontra a madrugada
Quando mais se aproxima a náutica do culto
Quando mais o altar se mostra navegável
Quando mais eu descubro e restauro e misturo
na crista litoral de súbito ampliada
o ritual do grito o ritual do cuspo
e vês que ninguém mais merece esta homenagem
é que enfim te possuo é que enfim te reduzo
a uma luva uma esponja uma deusa uma nave

David Mourão-Ferreira